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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Dexter: A Mão Esquerda de Deus - Capítulo 1 -Soap Premiere


 Lua. Uma lua maravilhosa. Cheia, gorda, avermelhada, a noite clara como o dia, o luar inundando a terra e trazendo alegria, alegria, alegria. Trazendo também o rugir da noite tropical, a voz macia e  turbulenta do vento uivando nos pêlos do braço, o lamento vazio da luz das estrelas, o grito trincado da luz da lua sobre a água. Tudo isso chamando o Necessitado. Ah, o berro sinfônico as milhares de vozes ocultas, o grito interior do Necessitado, a entidade, o observador silencioso, a coisa fria e
quieta, aquele que dança, o Bailarino da lua. O eu que não era eu, aquele que zombava, ria e vinha com sua fome. Com a Necessidade. E a Necessidade agora estava muito grande, muito atenta, fria, enroscada, arrastada, rachada, ereta e pronta, muito grande, bem pronta... mesmo assim, esperava e observava, me fazia esperar e observar. Eu esperava e observava o padre há cinco semanas. A Necessidade tinha ficado alfinetando e provocando, me cutucando para encontrar um, encontrar o
próximo, encontrar o padre. Há três semanas eu sabia que era ele o próximo, nós (ele e eu) pertencíamos ao passageiro das trevas. Passei essas três semanas lutando contra a pressão, a crescente Necessidade aumentando dentro de mim como uma grande onda que encrespa e arrebenta na praia e não recua, só cresce mais a cada segundo  do relógio da noite luminosa. Mas era hora
também de tomar cuidado, hora de ter certeza. Não de que era o padre, não, pois há muito eu sabia disso. Hora de ter certeza de que ia ser feito direito, limpo, com tudo se encaixando, tudo certo. Eu não podia ser pego, não agora. Tinha trabalho duro por muito tempo para fazer esse trabalho,para proteger minha ditosa vidinha. E eu estava me divertindo muito para interromper agora. Portanto,tomava sempre muito cuidado. Sempre limpo. Sempre prevenido para que as coisas fossem direitas. E , quando estava direitas, dar um tempo extra para garantir. Era o estilo Harry, que Deus o abençoe, aquele sagaz policial perfeito, meu pai adotivo. Esteja sempre seguro, tenha cuidado, seja correto, ele disse, e há uma semana eu tinha certeza de que tudo estava tão direito á La Harry quanto possível. E, ao sair do trabalho naquela noite, eu sabia que era o dia. Aquela era a noite. Era uma noite diferente. Nela ia acontecer, tinha de acontecer. Exatamente como ia acontecer de novo e de novo. E dessa vez seria o padre. Ele se chamava padre Donovan. Ensinava música para as crianças do Orfanato Santo Antônio, em Homestead, na Flórida. Os alunos adoravam-no. E, naturalmente ele adorava os alunos. Dedicou a vida a eles. Aprendeu espanhol e crioulo. Aprendeu a música deles também. Tudo pelas crianças. Tudo o que fazia, era  por elas. Tudo. Eu estava observando nessa noite, como tantas outras anteriores. Vi quando parou na porta do orfanato para falar com uma menina negra que foi atrás dele. Era pequena, não devia ter mais de oito anos e era miúda para a idade. Ele sentou-se na escada e conversou com a
menina cinco minutos.
  Ela também se sentou e ficou se levantando e sentando. Os dois riram. Ela se encostou nele. Ele tocou nos cabelos dela. Uma freira apareceu na porta e ficou parada, olhando-os antes de falar. Depois, sorriu e estendeu a mão. A menina tocou com a cabeça no padre. O padre Donavan abraçou-a, levantou-se e deu um beijo de boa-noite nela. A freira riu e disse algumas
coisas ao padre Donavan. Ele respondeu. Então, o padre foi para seu carro. Finalmente, eu me levantei para atacar e... Ainda não. Uma minivan de serviço de limpeza estava a uns dois metros da porta. O padre Donavan passou e a porta lateral da van se abriu. Saiu um homem com cigarro na boca e cumprimentou o padre, que se encostou na van e falou com ele. Sorte. De novo, sorte. Tenho tido sempre sorte nessas noites. Não tinha visto aquele homem, não notei que estava lá. Mas ele teria me visto. Não fosse a sorte. Respirei fundo. Expirei lenta e firmemente, fazia um frio gélido. Foi só uma coisinha. Não esqueci nenhuma das outras. Tinha feito tudo certo, tudo igual, tudo como devia ser. Ia dar certo. Agora. O padre Donavan foi para  o carro dele novamente. Virou-se uma vez e disse alguma coisa. O faxineiro acenou da porta do orfanato, jogou a guimba do cigarro e entrou.
  Sumiu. Sorte. Sorte, de novo. O padre Donavan ficou procurando as chaves, abriu a porta do carro e entrou. Ouvi a chave entrar na ignição. O motor ligar. E então... AGORA.
  Sentei-me no banco traseiro e enfiei o laço em seu pescoço. Uma volta rápida, escorregadia e perfeita e a linha para
peixes de quinze quilos ficaram firme. Ele fez um pequeno movimento de pânico e pronto. _Você agora é meu_ Eu disse e ele ficou paralisado com precisão e perfeição, como se tivesse ensaiado, quase como se tivesse ouvido a outra voz, o observador risonho dentro de mim. _Faça só o que eu mandar_ falei. Ele soltou uma exclamação e olhou no retrovisor. Minha cara estava refletida lá, esperando por ele, envolta na máscara de seda branca que só deixava a mostra os olhos. _Entendeu?_ perguntei. A seda mexia na minha boca quando eu falava. O padre Donavan não disse nada. Olhou bem nos meus olhos. Apertei o laço. _Entendeu?_repeti, um pouco mais baixo. Dessa vez, ele concordou com a cabeça. Pôs a mão no laço, sem saber o que aconteceria se tentasse desapertá-lo. A cara dele estava ficando roxa. Desapertei_ Fique bonzinho e vai viver mais_ falei. Ele respirou fundo. Ouvir o ar raspar em sua garganta. Ele tossiu e respirou de novo. Mas ficou parado e não tentou fugir. Isso era muito bom. Saímos com o carro. O padre Donavan obedeceu as minhas ordens, sem trapaças nem indecisões. Fomos para o sul pela Florida City e pegamos a estrada Card Sound. Achei que ele ficou nervoso com aquela estrada, mas não se opôs. Não tentou
falar comigo. Manteve as mãos na direção, pálidas e tensas, os nós dos dedos estavam saltados.
  Aquilo também era muito bom.

Escrito por: Jeff Lindsay

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