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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Dexter: A Mão Esquerda de Deus: Capítulo 4 - 1x4


Lá pelas quatro e meia da manhã, o padre estava todo limpo. Eu me senti bem melhor. Era sempre assim, depois. Matar faz com que eu me sinta bem. Desfaz os nós do esmerado esquema sombrio do querido Dexter. É um suave relaxamento, um necessário abrir de todas as pequenas válvulas hidráulicas internas. Gosto do meu trabalho, sinto muito se o incomoda. Ah, sinto muito mesmo.
  Mais eis aí. E não se trata apenas de um assassinato comum, claro. Tem que ser feito do jeito certo, na hora certa, com a pessoa certa; é bem complicado ,mais muito necessário. E sempre meio esgotante. Por isso eu estava cansado, mas a tensão da ultima semana tinha acabado, a fria voz do passageiro das trevas se calou e eu podia voltar a  ser eu de novo. Esperto, engraçado, despreocupado, Dexter morto – por - dentro. Não era mais o Dexter com a faca, Dexter, o vingador.
  Pelo menos até a próxima vez. Coloquei todos os corpos na horta outra vez com o novo vizinho e limpei o melhor que pude a casinha decrépita. Levei minhas coisas para o carro do padre e dirigi rumo ao sul para o pequeno canal lateral onde tinha deixado minha lancha, uma Whaler de cinco metros, linhas simples e motor potente. Empurrei o  carro do padre para dentro do canal atrás da minha lancha e embarquei. Fiquei olhando o carro afundar e sumir na água. Depois,liguei o motor de popa e saí do canal pela baía na direção norte. O sol estava nascendo e a luz batia nas partes metálicas da lancha. Fiz minha cara mais feliz,eu era apenas mais um pescador madrugador voltando para a casa. Alguém ai aceita um cioba? Lá pelas seis e meia eu estava em casa,no meu apartamento de Coconut Grove. Peguei a lâmina de vidro no bolso,um vidro simples e limpo,com uma só gota de sangue do padre no meio. Linda e limpa, já seca, pronta para colocar sob meu microscópio quando eu quisesse lembrar.   Deixei a lâmina junto ás outras,trinta e seis simples e cuidadosas gotas de sangue bem seco. Tomei um banho mais que demorado,deixando a água escaldante tirar o resto da tensão,desfazer os nós dos meus músculos e lavar o pouco que sobrava do
cheiro pegajoso do padre e da horta da casinha no pântano. Crianças. Eu devia tê-lo matado duas vezes. Seja lá o que me faz ser do jeito que sou,deixou um buraco vazio por dentro,incapaz de sentir. Não parece grande coisa. Tenho certeza de que a maioria das pessoas finge bastante no convívio diário com os outros. Eu apenas finjo completamente. Finjo muito bem e jamais sinto nada, mas gosto de crianças. Jamais poderia ter filhos, pois não posso nem pensar em sexo. Imagine fazer aquelas coisas... Como pode? Onde fica a sua  dignidade? Mas as crianças são especiais. O padre Donavan merecia morrer. O código de Harry estava cumprindo,junto com o do passageiro das trevas. La pelas sete e quinze, eu estava limpo outra vez. Tomei café,comi sucrilhos e fui trabalhar.
  O prédio onde trabalho é um negocio moderno e grande, branco com muitas vidraças, perto do aeroporto. Meu laboratório fica nos fundos do segundo andar. Tenho um pequeno escritório ao lado do laboratório. Não é bem um escritório, mas é meu, um cubículo separado do laboratório principal de hematologia. Todo meu, ninguém pode entrar lá, ninguém divide espaço comigo para bagunçar o meu pedaço. Tem uma mesa com uma cadeira, outra cadeira para visita, se a pessoa não for muito grande.     Computador,estante,arquivo. Telefone. Secretária eletrônica. Quando entrei,a secretária estava piscando,prova de que tinha uma mensagem, recado para mim não é coisa de todo dia. Por algum motivo,pouca gente no mundo tem algo a dizer no horário de trabalho para um perito em análise de borrifos de sangue. Uma das poucas que tem é Deborah Morgan, minha irmã adotiva.
Policial, como o pai. O recado era dela. Apertei a tecla, ouvi uma musica tejana metálica e a voz de Deborah._ Dexter, por favor, ligue assim que chegar.  Estou no local de um crime na trilha Tamiami, no motel Cacique._ Fez-se uma pausa. Ouvi-a tampar o bocal enquanto falava alguma coisa com alguém.
  Mais um som alto de musica mexicana e ela voltou ao telefone._ Pode vir para cá agora? Por favor, Dex? Desligou. Não tenho família. Quer dizer,pelo que sei. Tenho certeza de que em algum canto deve ter gente com o mesmo material genético que o meu. Lastimo por eles.
  Mas jamais os conheci. Não tentei conhecê-los e vice – versa. Fui adotado, criado por Harry e Doris Morgan, que são os pais de Deborah. Levando em conta o que sou, eles me criaram muito bem, concorda? Os dois já morreram. Então, Deb é a única pessoa no mundo que dá um tostão para saber se estou morto ou vivo. Por algum motivo que não consigo imaginar, ela prefere que eu esteja vivo.

Escrito por: Jeff Lindsay

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